17 maio 2011

«O meu Michael» de Amos Oz

Às vezes, vale a pena um pequeno sacrifício. Ou um grande sacrifício: ainda ando com dores de coluna por ter lido nas férias a volumosa História de amor e de trevas, de Amos Oz. Nunca tinha lido nada deste autor israelita, e foi quase por acaso que comprei o livro e, depois, lhe peguei. Fiquei tão fascinada que, mal acabei, li O meu Michael. Foi um movimento muito interessante, quase inédito no meu modo de leitura habitual. Com efeito, geralmente leio as obras e só depois leio (quando leio) textos autobiográficos. A inversão deste movimento permitiu-me apreciar melhor reflexões que medeiam entre si quarenta anos.
Nos anos sessenta do século XX, o jovem Amos Oz negava que a obra pudesse ser autobiográfica (o mesmo sucedia nos Departamentos de Estudos portugueses e franceses da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, quando os frequentei).  No início do século XXI, Amos Oz conta a história do casal formado pelos seus pais, e está lá tudo. Tudo. Pronto, o pai não é bibliotecário, é geólogo (mas ambos se conhecem na escadaria da biblioteca da Faculdade da terra Santa).
O facto de a história de O meu Michael ser autobiográfica é curioso, mas em nada muda o seu interesse intrínseco. Na capa, diz-se que se trata de "uma «Madame Bovary» dos tempos modernos". É uma afirmação simultaneamente verdadeira e exagerada: tal como Emma, Hannah é idealista, não dá o seu real valor ao marido bom e dedicado (esta descrição saiu-me um bocado pirosa, mas enfim...) e é gastadora. Mas não é adúltera e não atinge o vórtice de perdição de Madame Bovary (apesar do final dúbio). Em contrapartida, ambas as (anti-)heroínas lêem demasiados romances, perdendo assim a capacidade de apreciar a realidade que, como todos sabemos (ou devíamos saber), é bem menos idílica do que no-la pintam os livros românticos. Para a semana, volto a este livro, para (finalmente!) vos explicar porque é um produto genuinamente "Duas culturas".

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